A(s) voz(es) da minha cabeça
- Mar
- 25 de out. de 2024
- 7 min de leitura
Atualizado: 3 de nov. de 2024

Dizem que o storytelling é a maneira mais eficaz de fazer uma pessoa entender o que você quer dizer e até mesmo convence-la de fazer o que você quer, mas isso é só um termo da publicidade para um mecanismo de ativação de empatia ou de mera mobilização da ação do outro direcionada à um fim.
Então, já que contar uma história permite que os outros fiquem mais atentos à minha escrita, seria justo que eu mesma contasse uma história. O assunto de hoje é justamente sobre esse "os outros", esses seres hipotéticos que influenciam a maneira como me vejo, ajo e penso.
E quem são os outros? E em que momento eles aparecem?
O outro aparece na nossa vida desde o nascimento, já que é pelo outro que viemos. No começo, as fronteiras entre os outros e o eu é de difícil assimilação, mas até hoje, me encontro nesse limbo de saber o que é meu e de mim e o que é dos outros.
Não acho que seja possível fazer uma separação propriamente dita dos outros e de mim, mas o exercício de pensar "a quem quero impressionar?" ou de forma mais simples "a quem estou respondendo?" é muito importante para entender quem é que está guiando as minhas ações. Um exemplo claro disso é justamente o ato de escrever, um ato de escrita pressupõe um leitor (ainda que o leitor seja apenas eu), a quem eu respondo quando escrevo sobre algo?
A resposta pode parecer simples no começo "aos leitores!", mas as coisas se tornam mais complexas quando nos perguntamos "para que" ou "para quem" em todas as atividades que fazemos.
Uma vez fui a uma terapeuta, questionando meus hábitos (ou a falta de hábitos) de organização e limpeza da casa, muito prontamente ela me pergunta "você mora com quem?", após ouvir que eu morava sozinha, ela me perguntou "e quando você morava com outras pessoas, como era a questão da organização?" ou em outras palavras "quando há um outro, como você se comporta?".
Nessa hora percebi que eu trazia o outro (nesse caso a figura materna de organização) dentro da minha cabeça e não havia integrado a contradição limpeza-organização, com motivos plausíveis que de fato me trariam benefícios pessoais, ou pelo menos uma reflexão do que eu deveria fazer.
Outros exemplos de "vozes na cabeça" podem ser pensados a todo momento, justamente porque fazemos isso o tempo todo, já que existimos de fato apenas através do olhar do outro. Construímos nosso olhar com elementos do mundo exterior, então as vozes na cabeça são como tijolos a mostra de uma casa que revelam processos de sua construção.

Por isso não são negativos ou positivos, seria imaturo dizer que são positivos ou negativos, apenas existem cumprindo uma funcionalidade na estrutura do psiquismo.
E meu objetivo pessoal não é - necessariamente - calar as vozes da minha cabeça (ou destruir os tijolos que compõem o meu psiquismo), mas sim estar consciente do impacto da visão do outro sobre mim e em como essa visão pode impactar minha vida de forma geral, ainda que, em alguns momentos seja extremamente necessário uma reestruturação, mas até para as mais profundas reformas, é importante estar atenta no que eu devo manter ou tirar. Dessa forma, é um movimento de elaboração, de processamento das informações, de escutar a voz do outro que carrego em mim, perceber sua causa e impacto e refletir como agir sobre isso.
É válido destacar que não se trata de uma voz propriamente dita, mas um direcionamento que muita das vezes de forma "automática" ou "involuntária" ocorrem a mente. Vamos pensar em mais um exemplo para que fique claro de que tipo de voz estamos tratando.

Um exemplo simples: "olhe para os dois lados ao atravessar a rua", essa frase pode se repetir na sua mente a cada vez que você se encontra em um cruzamento prestes a atravessar a rua (espero que na faixa de pedestre), ao pensar nessa frase especificamente, pode haver uma sensação de que essa frase veio de você, você pensou nela, mas na realidade, ao pensar um pouco mais, pode se lembrar de todas as vezes em que alguém lhe disse algo assim, como seus pais ao te orientarem a como atravessar a rua, a professora na escola, algum amigo, qualquer pessoa. Esse é apenas um exemplo de uma "voz" que influencia sua ação, ou seja, um elemento externo que orienta o que você faz, mas não só isso, pois é também um elemento linguístico que foi apropriado e se reflete nos pensamentos. Assim, mais uma vez, destaca o elemento neutro desse fenômeno com um exemplo bem simples.
E com isso fico com o questionamento que não busco responder agora também, mas que algum dia responderei: "Quais pensamentos são meus de fato? Como reconhecer meus próprios pensamentos?". Também fica o questionamento acerca da ações que não temos palavras para serem "vozificadas", são apenas ações/regras seguidas que aparentemente são aprendidas através de outras formas. Vou desenvolver essa parte mais futuramente.
Particularmente nesse post só quero enfatizar o reconhecimento da(s) voz(es) do(s) outro(s) na minha cabeça. Por fim, voltemos ao exemplo da escrita. Primeiro faremos um paralelo com uma criança que escreve um diário e depois com a própria existência desse post.
Uma criança que escreve um diário pode entrar em contato com a contradição da relação com o outro a medida em que há a possibilidade de alguém ler o que ela escreve, então ela passa a escrever considerando o olhar do outro e ao considerar o olhar do outro sobre sua escrita, passa a agir de acordo com a interpretação do que imagina ser o olhar do outro e não com o que o olhar do outro é de fato, mas com a possibilidade da reação do outro. Há, portanto, uma antecipação. A mesma coisa acontece aqui.
É justamente o exercício de afronta a esse movimento que quero fazer, porque é uma projeção da minha parte, quando eu escrevo pensando em quem vai ler posso acrescentar ou retirar algumas palavras baseado no que imagino ser a reação da pessoa diante do que escrevo. Isso se relaciona intrinsicamente com o objetivo da minha ação, nesse caso, um dos objetivos é escrever para explorar meus pensamentos e as estruturas que o compõe. Mas se eu escrevo pensando em quem vai ler, não há um exercício de exploração ao que está posto, mas de certa forma um exercício de adaptação ao que compreendo ser o entendimento do outro sobre mim ou como gostaria que me compreendessem. Por outro lado, quando escrevo também estabeleço novos pensamentos, ou seja, o próprio processo de reflexão causa uma mudança no objeto refletido (ou pessoa refletida), por isso que nesse caso é necessário que eu diminua o "barulho" do outro sobre a minha escrita para que eu possa de fato escrever.
Então por que seria importante perceber as influências que carregamos dos outros em nós? Ao reconhecer à quem pertence as vozes que escutamos em nossa cabeça podemos reconsiderar os motivos pelos quais tomamos certas decisões.
No caso da escrita, pessoalmente, é um exercício de fazer escrita pelo próprio ato de escrever e a transformação que o ato de escrever pode proporcionar, sem se apegar na validação social que isso pode trazer (não se trata de negar a validação, mas não usá-la como motivo para escrever, nem como um mecanismo de controle sobre o que eu escrevo). Isso nos obriga a pensar no que fazemos e porque fazemos.
Em outras situações é um pouco parecido, de forma que ao reconhecer as vozes que te influenciam a seguir por determinada situação você consiga refletir se aquilo vale a pena ou não, se é seguro ou não, se é esse tipo de mundo que você quer criar e viver ou não. E mais uma vez, não se trata de um aspecto negativo ou positivo, mas de um elemento que age sobre suas convicções e de certa forma, as constrói.
Na prática é mais difícil porque é um processo contínuo e implica:
Em refletir qual a finalidade do que fazemos;
Na necessidade de desenvolver uma percepção acurada sobre quem somos e de quem são os outros, entendendo que não há uma fronteira fixa entre essas coisas.
E de lutar contra as vozes (ou imagens) que criamos, projetamos, ouvimos, imaginamos, dos outros sobre nós se isso for necessário. Importante dizer que nem sempre isso é necessário, muitas vezes podemos agir justamente como "as vozes" nos indicam, como o exemplo de atravessar a rua. Porém pode ser necessário se isso estiver desalinhado com algum objetivo importante para você (ainda que o que é importante também esteja relacionado intimamente com o papel do outro).
Mas muitas vezes o processo de escuta de si pode ser dolorido, isso porque nem sempre estamos preparados para lidar com algum dos motivos de nossas ações, nem com o impacto do outro em nossas vidas, principalmente se esse outro for uma pessoa que te prejudicou de alguma forma, porque pode ser que o impacto do outro em nossa vida esteja oculto e ainda agimos sob o olhar do outro de forma inconsciente. Por exemplo, em um relacionamento, digamos que a pessoa lhe ensinou um caminho mais fácil para chegar ao seu trabalho e agora você sempre pega esse mesmo caminho, já que costuma não ter trânsito, caso o relacionamento acabe, há uma chance de você seguir o mesmo caminho pela facilidade, mas não perceber que essa é uma voz do outro e quando você tiver uma tomada de consciência, pode ser que decida nunca mais cruzar o caminho, justamente porque perceba que esse ensinamento vem de uma pessoa que lhe feriu ou pode ser que decida continuar no caminho que não tem trânsito por entender que vale a pena, as respostas para a tomada de consciência sobre quem ou o que influencia suas ações são variadas, por isso não existe apenas duas nesse caso fictício, mas isso de certa forma nos induz a pensar sobre as contradições do que nos influencia. Se por um lado o conteúdo é importante, por outro o reconhecimento da fonte do conteúdo é importante também.
Vou retomar esse pensamento do processo de lidar com essas percepções em outro momento, assim como no processo prático e nas respostas (emocionais e/ou cognitivas...) que esse processo pode causar, principalmente no que diz respeito a recusa de agir de certa forma ao perceber de onde vem certo comportamento, mas também em como lidar com a repetição de padrões. Também quero escrever mais sobre esse mecanismo de influência e suas formas.
Por fim, lidar com essas "vozes" é um exercício constante de vulnerabilidade, recálculo de rota e reestabelecimento de valores pessoais, seja de forma a acrescentar, manter, ou retirar o que nos mobiliza. Há de se dizer que o outro nunca sairá de nós, visto que somos constituídos em relação com o outro, mas ao trazermos consciência sobre esses aspectos, podemos ter uma visão mais iluminada do porque nos comportamos como nos comportamos e de onde (ou de quem) esses comportamentos vêm e como lidamos com isso.
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