Integração - Eu e o Espelho
- Mar
- 2 de set.
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Já faz uns meses que venho tendo alguns pensamentos sobre minha autoimagem, o que inclui, obviamente, meu corpo. Quando eu era jovenzinha, logo após começar a faculdade/terminar ensino médio, algo assim, não me lembro a data corretamente, fiz uma cirurgia e retirei todos os sisos (eu tinha dois) um de cada lado, o que me impediu de comer bem por algum tempo. Logo depois fiz um implante dentário, pois tinha dois dentes de leite que não haviam dentes embaixo, o que significa que fiquei mais um tempo sem comer de forma adequada, outra vez.
Além disso, como havia pouquíssimo tempo que eu havia me mudado, eu não tinha uma rotina alimentar bem estabelecida nessa cidade nova, o que também contribuiu para que eu tivesse um baixo peso. Apesar de estar magra, não estava saudável, não fazia exercícios, não comia bem, não tinha nem 50kg (um dia passei uma vergonha porque não pude doar sangue pelo peso). Mas mesmo assim, era uma coisa que era reforçada positivamente entre meus familiares "olha xyz parte do corpo". Um dia respondi a provocação/admiração como "não fiquem olhando, parem de secar" etc, a minha mãe não gostou nada do meu comentário, mas na verdade, meu comentário era apenas uma reação, inclusive a avisei: "diga a elas que parem de comentar sobre meu corpo".
Não só isso, mas também comentários em outras situações, como no funeral (sim!) da minha avó, em um dia qualquer. Então independente da situação, meu corpo era um fator para comentarem. E na verdade, eu nunca gostei de atenção, então independente de serem comentários positivos ou negativos, eram comentários que me reduziam à uma determinada coisa e eu não gostava disso. Até porque, como dito anteriormente eu não estava saudável. Haviam outros comentários de outras pessoas que não eram familiares também, mas que não vêm ao caso, mas que também eram objetificadores.
Então algumas coisas mudaram quando eu comecei a fazer academia, ganhei peso, ganhei músculo, ganhei um pouco mais de gordura também, porque senti mais fome e conseguia ter uma rotina alimentar melhor do que comer uma vez por dia.
E porque eu estou dizendo essas coisas? Porque estive olhando minhas fotos desses anos anteriores e percebo que eu estava vivendo uma grande dismorfia corporal, eu achava certas partes do meu corpo gigantes, enquanto outras horríveis, realmente eu não gostava de mim. Vou explicar um pouco como tudo isso mudou também.
Após perceber que eu não tinha uma relação muito saudável com a comida e começar a tentar comer mais e lembrar dos horários, percebi que comecei a ganhar mais peso e tals, o que foi muito importante para minha saúde e também para meu pensamento. Sinto que agora penso melhor do que pensava antes, simplesmente porque tenho os nutrientes suficientes para fazer isso.
Mas você deve se perguntar: e os comentários? Obviamente eles não pararam, só mudaram, algumas pessoas nunca mais vi (e isso foi bom e importante porque também entendi que eu me sentia mal por não encaixar no que eu imaginava que era bom/belo). Quanto à minha família, ainda comentam as vezes, mas agora o impacto é diferente.
Quando comprei minha cômoda, fiquei uns 4/5 meses sem espelho até achar um quebrado em frente a minha casa e pegar ele pra mim e tive uma surpresa quando me vi. Não estava abaixo do peso! Que surpresa! Eu não sabia o peso exatamente porque não tinha como saber, já que eu estava fugindo de balanças por muito tempo.
E então, fiquei feliz. E esses tempos atrás, esse alívio vem crescendo, não porque não existem partes de mim que não gosto, mas porque não é obrigação gostar.
Várias coisas me influenciaram também, e muitas pessoas que me inspiraram nem sabe que me inspiram, também nunca vou contar porque acho que não seria bem interpretado.
Mas ao ver uma foto minha antiga, uma foto fofa, e ver o quanto eu odiava aquela foto naquela época e hoje é uma foto normal, me fez pensar que não faz sentido nenhum, porque estar bonita ou não, não deveria ser importante para mim aos 15 anos. (ou para qualquer menina (e meninos)). E algo mudou em mim, muitas coisas mudaram em mim na verdade.
A primeira é que tenho menos necessidade de estar bem em fotos, e fujo menos delas também.
Hoje vi um vídeo meu dançando (uma dança boba seguindo uma música pop qualquer) mas lembro que gravei justamente para observar meu corpo porque o achava estranho, a verdade é que a dismorfia era grande porque achava que meu braço era grande demais (kkk) e que ao mesmo tempo eu era muito magra. E isso era muito louco porque olhando agora, esses pensamentos nunca fizeram sentido algum. Hoje penso que meus bracinhos fortes são bons pra abraçar. (E tbm posso chamá-los de biceps), mas ainda é delicado, porque foi por muito tempo.
Passei muito tempo da minha vida perdendo tempo tentando parecer algo, sendo que eu já era aquilo que eu tentava parecer mas não conseguia ver, e ao mesmo tempo também percebi que a motivação para ser algo era o valor próprio, quando, na verdade, é dificil mensurar meu valor por métricas de cm.
E o mais interessante é que eu mesma não percebia que isso era ruim para mim.
Percebi que havia algo realmente muito errado quando, recentemente, na verdade, me pesei (depois de muuuuito tempo sem isso acontecer), e vi que na balança tinha um número ali que não era o que eu estava acostumada a ver: 56.
E depois vi: 58.
E pensei: e agora?
Mas não havia nenhum e agora para pensar e sim agradecer que finalmente eu tinha atingido um peso ideal para mim. Mas isso não veio sem nenhum ônus: ouvi de um de meus familiares "você não é mais uma menininha", isso me machucou em um lugar que eu ainda não havia entendido. Mas depois eu entendi que eu realmente não era mesmo mais uma menininha e isso era bom.
Isso era
BOM.
Mas depois de ganhar alguns quilos (isso aconteceu ao longo de 2-3 anos, então não foi de repente), e reconhecer isso, e ver fotos antigas e me surpreender porque eu achava que meu braços eram feios e grandes demais. Mas o que é demais? Percebi que nada disso importava realmente.
Porque não havia nenhum argumento que sustentasse essa importância e que valesse meu esforço.
E então, o que fiz com tudo isso? Nada, ainda estou escrevendo! Mas o que me parece mais fácil de fazer é realmente internalizar esses ensinamentos.
Parte de mim queria voltar no tempo, acho que eu teria aproveitado mais a minha vida se eu não tivesse pensando tanto na minha aparência física por tanto tempo.
E olhar fotos antigas e ver que, bom, algumas fotos eram feias, outras fotos eram bonitas, mas na verdade, não importa. Nada disso ficou na memória realmente.
Outra coisa que (vale até um post específico para isso), é a parte de "descolonizar" a beleza. E isso ainda estou fazendo, claro, leva um tempo. Mas eu tenho partes do meu rosto que não são/estão necessariamente no padrão de beleza dito pela sociedade. E antes, isso me deixava muito pensativa, será que alguém um dia vai gostar de mim pelo que sou? Não quero que gostem de mim pelos apesares, mas que realmente gostem de mim, pelo que sou. Não quero que neguem quem eu sou, mas que aceitem.
E isso me fez pensar, novamente, que eu estava buscando tudo isso pelos motivos errados, e não havia nenhum argumento que sustentasse a ideia de buscar um padrão ideal para ser amada, porque se eu precisar de um padrão então como posso dizer que sou realmente amada? E ok, há mais fatores envolvidos, mas é muito importante para mim estar atenta à formas destrutivas de definição de beleza, principalmente as ditas como "científicas" porque a vida em um laboratório não pode jamais refletir o mundo real. Além do que a metodologia dessas pesquisas são fracas (e racistas, não vou usar outros termos mais brandos para dizer o que realmente é). Precisamos lembrar como a ciência e o discurso científico/cientificista já legitimou muitas barbaridades ao longo da história então SEMPRE precisamos usar a ciência contra a ciência e ver COMO, PARA QUÊ e PARA QUEM ela é produzida. Não existe imparcialidade no mundo real, por mais que tentamos.
Então seguir outros tipos de pessoas, observar pessoas diferentes de mim, observar pessoas parecidas comigo, isso tudo me ajudou muito. Além do mais, observar minha família também me ajudou. Não exatamente do jeito que alguém pode pensar, porque acredito que (principalmente as mulheres da) minha familia não amam a si próprio muito (fisicamente), mas eu os amo, independente de qualquer coisa. Então, se EU os amo, e sei que eles também me amam. Qual é a vantagem em brigar tanto comigo mesma? Vejo meus sobrinhos, minha sobrinha, que é linda! E como posso dizer que não é? E como posso não amá-la? Quão terrível eu poderia ser de pensar que qualquer parte do corpo é mais importante do que o seu coração. E quão terrível fui de pensar isso de mim mesma?
É muito doido na verdade, pensar em todas as roupas que deixei de usar pensando em como iria parecer. E no fim das contas pra quê?
Esses dias fui de regata para a faculdade. Parece bobo, ,ninguém ligou, mas eu estava alerta, e isso realmente mudou algo. Outro dia usei uma saia de babados, fofa. Minha amiga elogiou. Também postei algumas fotos. Recebi elogios.
Acho que quando somos mais crianças, as pessoas se sentem no direito de falar o que quiserem para você sem perceber que você tem sentimento também. E você aprende muito como se tratar ao ver como sua familia se trata também, ou os comentários que dirigem aos outros.
E sabe, fico feliz, que me levou apenas 22 anos, para começar a realmente gostar de mim mesma, não no sentido de me achar bonita, mas no sentido de me libertar dessa necessidade da beleza. E isso é tão bom, porque sei que muitas não tiveram a oportunidade. Hoje peso 57 kilos, não faço dieta regrada, não quero me prender nesse mundo. Meu objetivo não é nenhum. Porque no fim das contas, com mais peso, fiquei mais leve.
Hoje posso dizer que fiz as pazes com o espelho. Uma coisa importante sobre isso é que, um dos motivos pelos quais eu não quero sofrer mais com minha aparência é que se um dia eu tiver uma filha, não quero que ela pense que o valor dela está atrelado a aparência, não quero que ela se preocupe com a textura de seu cabelo. (o cabelo em si é uma coisa a parte também que caberia muitas discussões na minha vida, inclusive sobre descolonização), não quero que ela se preocupe se vai ser amada, não quero que ela se preocupe com as mesmas coisas que me preocupei. Sei que preocupações são inevitáveis mas quero que ela se preocupe com outras coisas, ou que, se um dia se preocupar, possa encontrar acolhida em mim ou na vida.
Não quero que ela pense que maquiagem é uma necessidade, mas também não quero que pense que usá-la a faz alguém superficial, quero que seja livre para explorar de forma artística.
É bom perceber que consegui integrar, eu e o espelho, de forma a não sentir medo, desprezo ou desespero ao me olhar no espelho. Um adendo aqui é: Não me acho feia sempre, não me acho linda sempre, não me acho mais, só me encontro. olho a olho. E ainda gosto de elogios, sinceros.
E é isso. Por hoje. Talvez um dia eu volte com esse assunto outra vez porque ainda faltou coisas para explorar.







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