Tudo é terapêutico - e agora?
- Mar
- 2 de nov.
- 5 min de leitura
Esse não era exatamente o post que eu estava esperando escrever hoje, mas era o post que eu precisava escrever hoje kkkkkk

Tome um banho de sais minerais, faça um escalda pés, leia um livro, medite, yoga, exercícios físicos, livro de colorir, musicoterapia, arteterapia, poetoterapia, entre outras terapias e tudo mais. Encontramos todas essas fórmulas de cura que prometem preencher um vazio existencial em nós e nos conectar com o que temos de melhor e assim, sermos mais felizes.
Terapeutização da Vida!
Sociedade Paliativa - recentemente li um livro que se relaciona bastante com o que estou escrevendo aqui, obviamente em outras discussões o autor debate um pouco sobre nossa resistência à dor e ao sofrimento. Não concordo com tudo que ele fala, principalmente no que diz respeito à algumas opiniões sobre à pandemia do COVID, mas de forma geral, é muito interessante como ele nos coloca nessa condição de seres "paliativos", e nesse sentido, é como se estivéssemos sempre em um estado de busca pelo prazer (uma espécie de hedonismo moderno), e evitando a dor à qualquer custo, principalmente ao custo de nosso próprio desenvolvimento. E o problema não está em, de fato, evitar a dor, acredito que isso seja até, de certa forma, biológico, mas o problema real, está em aceitar a vida como um estado natural de "desordem" incurável, e assim buscar formas de neutralizar essas dores. É como se já começássemos a vida no negativo, no -3, e precisássemos de algumas medidas de sobrevivência para lidar com a vida. Na verdade, é mais do que isso, são medidas paliativas porque não são a priori, mas posteriores à uma análise rasa do que entendemos como normal. Enfim, recomendo a leitura do livro.
Então, podemos pensar: se tudo é terapêutico, nosso estado natural é a doença. É na terapeutização de tudo que morre a experiência, ou em outras palavras, o experienciar. Porque a experiência vira meio para a cura, e devemos nos perguntar, será que precisamos tanto assim de cura?
Se nos voltarmos à ideia de que as emoções humanas são condições à serem evitadas, ou as tratarmos como sintomas, podemos perder de vista a importância da experiência como parte vital da existência humana, com tristezas, angústias, dor e até sofrimento, ou também podemos perder de vista outras possíveis causas para essas tristezas e angústias. Mas nesse caso, podemos não ler um livro pelo prazer de ler e pela descoberta, mas lemos para "reduzir o estresse", ou não pintamos um livro de colorir pelo aprendizado de pintura, mas para "aliviar o estresse", como se o estresse fosse nosso estado natural que precisasse sempre ser aliviado.
O que eu quero dizer aqui é que não tem problema nenhum em tomar um banho gelado, o problema é transformar o banho gelado em um meio para um fim abstrato (e lógico) de cura ou motor para "produtividade" ou um relaxamento mecanizado. Não há problema em buscar o relaxamento, tampouco, o problema estaria necessariamente no fato do relaxamento não ser um fim nele mesmo mas também outro meio. O problema é a transformação das experiências humanas em transações utilitárias de uma (pseudo) tranquilidade performática. Digo isso porque até para o relaxamento há regras muito bem estabelecidas e produtos a serem vendidos para que essas regras sejam cumpridas.
Outro ponto importante sobre nosso "hedonismo pós-moderno" é que ele não é apenas uma busca pelo prazer, mas é uma busca pelo prazer de se encaixar nesse sistema!!! O estado constante de graça e tranquilidade não é o próprio fim, porque até mesmo o prazer se torna moeda de troca para o que vou fazer com isso, em que vou aplicar, no que isso vai me ser útil?
E uma pergunta bastante reveladora e complexa é: Como a gente diferencia, uma experiência autêntica, dessa terapeutização da vida. Porque as vezes queremos realmente pintar para desestressar, há algum problema nisso?
A resposta é que, não! O problema não está em pintar para desestressar, mas a pintura ser reduzida à uma medida puramente antiestresse, quando pode ser também uma forma de diversão e lazer. O problema é colocar o lazer como um meio e não como um fim em si mesmo. Pra mim isso vem de uma ideia de que descansar é ruim, de que se divertir é ruim. Podemos pensar isso tanto de uma forma mais individual, como um sentimento de culpa por se divertir, por não achar que merece, uma repressão sobre fontes de prazer e tals. E também podemos pensar nessa culpa como um reflexo dessa sociedade que a cada minuto mostra a importância da produtividade. Ao ponto de produtivizar inclusive o ócio.
Nesse bolo de neutralizações, quem perde é a arte, porque deixa de ter em si combustível das emoções humanas e passa a ser também, higienizada, pela moral, pelo que deveria ser. Na verdade, nem temos tempo para arte pela arte a não ser que a arte seja uma forma de autoterapia.
Porque, eu entendo perfeitamente a crítica às pessoas que levam uma vida rasa, sem refletir sobre as coisas, mas ao mesmo tempo, insistir em buscar profundidade em pires também me parece inviável. E transformar toda sua vida em um projeto pessoal de autodesenvolvimento também é ruim. E quando eu digo isso, digo isso mais pra mim mesma do que para qualquer outra pessoa.
O desenvolvimento não é ruim, mas o desenvolvimento é consequência do processo. Se meu foco está apenas no fim do processo como um precursor, não aproveito o que eu poderia aproveitar justamente no processo. É como querer começar um projeto apenas quando todas as circunstâncias estiverem perfeitas. O projeto jamais começará. O projeto de ser humano também não pode começar a funcionar apenas quando as condições estiverem perfeitas, no sistema, no mundo, na sociedade ou na mente individual de cada sujeito, tem que começar agora, com as ferramentas que temos, mas enquanto perdermos tempo deixando de produzir arte para colocar arte como meio de silenciamento de "sintomas", estaremos matando nossas possibilidades.
Mas a ideia aqui não é sair de uma gaiola para outra gaiola que é a perfeita antítese dessa crítica. Pelo contrário, apenas quero observar como essas ideias me influenciam e pensar formas de realizar as coisas pela experiência de vivê-las, mas claro e obviamente, a meditação pode ser uma forma de enfrentamento ao estresse, a pintura pode aliviar a tristeza, o banho gelado pode te deixar mais produtivo. Minha questão aqui é a redução dessas atividades unicamente para essas funções, porque o problema é justamente a redução da prática para uma função transacional e utilitária.
E bom, o post vai ficando por aqui, porque vou explorar mais formas de enfrentar essa terapeutização da vida em outro post, sobre o ócio provavelmente, mas fica a lição então, de que uma possível cura é aceitável até o ponto em que não nos percamos de nós mesmos e exige uma mudança daquilo que entendemos como passível de cura ou não, porque daí o objetivo dessas atividades passam a ser: experienciar a vida, atos de amor e cuidado. Deixa de ser uma defesa, deixa de ser uma "justificativa" para um juiz tão cruel que é a vida e a realidade.
Não poderemos escapar de nós mesmos. Podemos fazer as coisas como expansão e não apenas como descompressão.
Um dia ainda vou em um SPA, não para me curar de nada, mas para experimentar :))
Até loguinho :)







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