Justifique sua resposta - Parte II.
- Mar
- 25 de mar.
- 12 min de leitura
Atualizado: 16 de abr.
Continuação do post:
Apesar de eu ter demorado um milhão de anos para terminar esse post, finalmente está incompletamente pronto.

As Justificativas de fato
O texto de hoje é uma reflexão acerca da necessidade de se justificar o tempo todo.
Acredito que um fator é a resistência ao erro ou ao julgamento do outro ou até mesmo a projeção do julgamento do outro. Existem diferentes tipos de julgamento, por exemplo: fazemos qualquer ação e uma pessoa comenta aquele ato, e então nos justificamos, nesse caso o esquema é mais ou menos assim:
Ação -> Juízo -> Justificativa |
Esse juízo não necessariamente é algo negativo. Um exemplo que ilustra isso é: você comprou uma roupa e uma pessoa elogia a roupa, imediatamente sua (no caso, a minha) resposta é dizer que foi barata, que não tem tanta qualidade, que foi promoção. Mas o juízo também pode ser uma visão negativa de uma pessoa sobre algo seu (ou até mesmo do outro). É importante dizer que esse esquema é uma mera abstração e redução de uma coisa infinitamente mais complexa (esse parágrafo em si já é uma justificativa hehe).
Então basicamente a justificativa é uma explicação sobre o motivo de uma ação. Isso é, a justificativa responde a pergunta: "Por que?". Mas não é só isso.
A questão aqui não é a legitimidade da justificativa, se ela é boa ou ruim, se ela é clara o suficiente ou se ela explica propriamente a realidade. O que eu quero debater é a NECESSIDADE da justificativa.
Assim como no esquema anterior, vamos pensar em situações em que as justificativas acontecem e depois pensamos nos possíveis porquês, ou seja, qual a funcionalidade da justificativa. Vamos complexificar um pouco.
Situações e Ordem | 1 | 2 | 3 |
A | Ação | Juízo | Justificativa |
B | Justificativa | Ação | Juízo |
C | Juízo | Justificativa | Ação |
D | Ação | Justificativa | Juízo |
E | Justificativa | Juízo | Ação |
F | Juízo | Ação | Justificativa |
Antes de começar a explorar cada uma das situações, é necessário definir cada parte do esquema.
Ação - Ação nesse caso pode se referir: a um cenário, à uma situação, uma atitude de uma pessoa ou de um grupo. Também pode se referir a um comportamento, a uma decisão ou até mesmo um fenômeno.
Alguns exemplos de ação:
Cortar o cabelo
Pular 3 vezes
Cantar
Ir no Mercado
Assistir um filme
Escrever um livro
Se casar
Comprar algo
A desigualdade social
Lavar um cobertor
Algumas coisas inanimadas também podem ser uma ação, como a chuva. Então fica claro que Ação está relacionada ao verbo, mas nem sempre, pois também pode estar relacionada a um conceito. De certa forma, uma para esse ensaio ação é um fenômeno observável fisicamente ou mentalmente.
O agente da ação também é importante, mas depende de cada situação que vamos pensar mais tarde, pois nem sempre é possível compreender de fato como um fenômeno acontece. ou porque ele acontece.
Juízo - O juízo é uma visão sobre uma ação. Isso é, uma opinião, uma perspectiva. O juízo pode ser expressado de diversas maneiras, com um olhar, com um pensamento, com uma fala, com uma ação (não o tipo de ação que estamos falando aqui). Um juízo é produzido geralmente após a análise de uma ação, digo geralmente porque nem todos os juízos são gerados dessa maneira e nem todos os juízos que acreditamos foram analisados por nós, de qualquer forma é importante dizer que esses juízos partem de uma perspectiva. É importante dizer que o próprio juízo carrega em uma série ações e justificativas como elementos de sua construção.
Portanto, mais uma vez indico que essa separação é mera abstração. A lógica formal não pode compreender toda a complexidade das interações humanas, até porque a própria linguagem é limitada para descrevê-la.
Justificativa - Antes de falar sobre a justificativa de fato, precisamos falar sobre o que a justificativa não é, ou seja, definir pela negativa (terá um post só sobre esse tipo de definição também). Justificativa não é uma explicação!
Apesar de serem conceitos similares que aparecem até como sinônimos e podem ser usados de forma intercambiáveis no dia a dia, é necessário fazer uma distinção aqui. Uma explicação é uma descrição causal de uma ação, já uma justificativa é uma descrição causal de uma ação com um elemento especial que a diferencia da explicação: a posição.
O que eu quero dizer com posição é a mesma coisa de perspectiva, uma justificativa necessariamente defende uma ideia/posição/perspectiva em relação a um juízo, enquanto que uma explicação não tem essa nuance sempre. Por isso que há um juízo na equação, pois a justificativa é uma descrição em relação ao juízo, tem uma defesa (implícita ou não) de uma posição, que, geralmente busca-se validar.
Nesse sentido, poderíamos dizer que toda justificativa é uma explicação, mas nem toda explicação é uma justificativa, tal como quando alguém diz "explica, mas não justifica".
A palavra justificativa lembra também o conceito de justiça. O que é justo e o que não é justo são posições tomadas diante de determinados juízos.
Por isso esses esquemas não compreendem todas as interações humanas, justamente porque as vezes podemos nos explicar sem a intenção de nos justificarmos.
Não busco esgotar as definições dos três termos que trouxe até porque acredito ser impossível, já que eles são relacionados e interligados e também podem servir como outras palavras e termos em outros contextos com novos significados, por isso acredito ser importante deixar claro os significados dos termos utilizados, ainda que não seja possível eu expressar completamente o que penso, já acho que um pedaço ajuda a alinhar os pensamentos do leitor e do que eu quis dizer.
Isso foi precisamente uma justificativa (conseguiu perceber o mecanismo de defesa?)
Ok. Antes de irmos finalmente à tabela quero explicar mais uma vez que essas separações são didáticas e no mundo real elas não existem como um equivalente perfeito dessa maneira retratada aqui, mas como um ensaio teórico e pessoal sobre como e porque o processo de ficar fazendo justificativas ocorre, me parece importante, é necessário que eu deixe isso claro, ou seja, que o objetivo dessas separações e categorizações é entender acerca da necessidade de se justificar, como isso ocorre e reflexões gerais sobre o tema, apesar de entender que essas divisões arbitrárias não descrevem a realidade em sua totalidade.
Detalhe: a escolha da ordem foi aleatória.
SITUAÇÃO A - Ação, Juízo, Justificativa.
A | Ação | Juízo | Justificativa |
Nessa perspectiva, a ação precede o juízo e a justificativa, vamos imaginar o seguinte exemplo. Decido fazer faculdade de marketing, conto para alguém e a pessoa tem uma reação à minha decisão, e então eu justifico o porque escolhi aquela faculdade e não outra. Note que a reação não necessariamente é algo que se opõe à ação.
Vamos começar outra vez e explicar cada um dos passos e seu desdobramentos.
Ação | Decisão de fazer faculdade de marketing, contar para alguém - Perceba que a própria decisão de fazer uma faculdade já parte de uma certa perspectiva, de fazer uma faculdade de marketing também e até o contar para alguém também parte de uma perspectiva. É impossível ignorar a influência dos pontos de vistas e narrativas, mas vamos simplificar sem explorar essas minúcias. |
Juízo | Reação da pessoa - A pessoa em questão pode reagir de forma a endossar o que a outra decidiu fazer, de forma opositiva, de maneira intensa ou até não apresentar reação (o que por si só é uma reação). |
Justificativa | Pessoa decide explicar o porque decidiu e a defender os pontos que a levaram a essa decisão. |
Esse exemplo pode ocorrer até na forma de um conflito interno, quando dois polos de ideias disputam o poder de ação no próprio sujeito. Se a pessoa endossa a decisão, ainda assim pode haver uma justificativa, um simples aumento (auto/re)afirmativo de sua decisão.
Mas nesse caso, qual a necessidade da justificativa?
Independente se ela é positiva ou não, nesse caso a justificativa serve como um apoio à decisão da pessoa, as vezes até uma tentativa de convencer a pessoa que a sua decisão é a correta.
Em outros exemplos essa ordem também pode ocorrer, como a situação em que você comete um erro. Como derrubar um copo de leite no chão.
Ação | Derrubar um copo de leite. |
Juízo - | "Por que você derrubou?" |
Justificativa - | "Estava muito quente" |
Nesse exemplo, mais uma vez podemos inferir a possibilidade de um juízo oculto, isso é, um juízo que não é dito, mas recebido de outras formas como um olhar de desaprovação, ou até uma justificativa a si próprio com a intenção de diminuir o impacto da ação para si ou para os outros. O que diferencia a justificativa "estava quente" de uma explicação que diria a mesma coisa "estava quente"?
Vamos lembrar: o elemento principal da justificativa é a defesa! Portanto, uma explicação não tem a intencionalidade de diminuir o impacto da ação, apenas descrever os motivos pela qual aconteceu, já no caso de uma justificativa, coloca-se uma explicação que age em detrimento de todas as outras possíveis, como "sou desastrada", "não prestei atenção", "estava muito cheio", etc.
Obviamente no dia a dia essas nuances passam despercebidas, justamente porque não refletimos a todo momento se estamos explicando ou justificando nossas ações.
Outro ponto muito importante é refletir sobre onde o juízo vem, ou seja, de quem? Quem falou? Por quê?
Existem outros casos que seguem esse esquema, convido você mesmo que lê esse post a fazer esse exercício de pensar em um exemplo (melhor ainda se for um exemplo de sua vida) que se encaixe no esquema Ação, Juízo, Justificativa.
Um outro que pensei foi: Começar a fazer academia.
Ação | Começar a fazer academia |
Juízo | Essa é uma ação curiosa porque tem vários possíveis juízos que podem aparecer quando alguém começa a fazer academia. Como "Você não precisa de academia", "você é magra", "muito bom", "isso faz bem mesmo". |
Justificativa | A justificativa também pode variar muito, como "é pela saúde", "preciso emagrecer", "preciso ganhar massa muscular" |
O que diferencia uma ação de fato e uma decisão da ação? Uma decisão pode também ser considerada uma ação, porque o foco é a ordem da justificativa, há momentos em que a justificativa é antes e há momentos em que a justificativa é depois. O que discutimos aqui é que a justificativa defende a ação ou inação perante o juízo dado.
Muitas vezes o juízo é projetado, mas a justificativa busca fazer uma defesa.
SITUAÇÃO B - Justificativa, Ação, Juízo
Essa situação corresponde à um esquema em que a Justificativa vem antes de qualquer ação tomada, como um pedido de permissão sem esperar a resposta do outro, como uma espécie de estanque à própria ação, um capacete à queda premeditada ou possível.
B | Justificativa | Ação | Juízo |
Vamos pensar em um exemplo:
Justificativa: | Vou comprar esse celular porque o meu está muito lento e já não funciona bem. |
Ação: | Compra de um celular novo. |
Juízo | Nossa, você gastou muito nesse celular! |
Neste caso, a justificativa ocorre antes da ação, como uma defesa prévia para antecipar possíveis reações negativas (ou positivas) em relação ao que será feito.
Um elemento importante nas justificativas é o poder implícito dado ao juízo ou à possibilidade de juízo. É uma postura defensiva do ego, ou das imagens que você tem de si mesmo que não quer deixar transparecer. Nesse caso acima, pode ser "não quero que pensem que estou gastando a toa", isso porque há um juízo de que gastar a toa é ruim ou que a pessoa gasta a toa as vezes, ou até mesmo que estão passando por dificuldades financeiras, mas que a compra do celular pode ser justificada pela lentidão e falta de funcionalidade.
Porém, as vezes, a pessoa está simplesmente mostrando os motivos que levaram ela a escolher comprar um novo celular, num sentido puramente explicativo e descritivo, que nesse caso, não segue uma postura defensiva, mas descritiva. Portanto, uma postura que não depende do juízo, é mais como uma apresentação de fatos (ainda que sejam subjetivos, ou nem sempre factuais) com outras intenções além de uma defesa.
SITUAÇÃO C -
Nessa situação, o juízo é muitas vezes um comentário acerca de um aspecto inconsciente (no sentido de alguém não estar pensando nisso no momento).
C | Juízo | Justificativa | Ação |
Juízo: | "Você deveria tentar comer mais saudável, sabia?" |
Justificativa: | "Não tenho tempo para comer mais saudável." |
Ação: | Continua a comer da forma que comia ou encontra uma outra maneira. |
E a ação nesse caso é feita a partir da justificativa, mantendo o comportamento ou mudando-o.
SITUAÇÃO D -
Nesse caso, há uma predição do juízo pela pessoa que se justifica, por exemplo, então já há um juízo oculto antes da ação propriamente dita.
D | Ação | Justificativa | Juízo |
Ação: | Cortar o cabelo |
Justificativa: | "É que eu estava com muito calor" |
Juízo: | "Nossa mas ficou muito curto" "Ficou lindo" |
A justificativa dada antes de um juízo é uma justificativa dada à crenças anteriores. Nesse caso, assim como em todos os outros, o juízo independe de ser negativo ou positivo. Para explicar melhor como funciona a diferença de uma justificativa de uma explicação, podemos colocar ali "Cortei meu cabelo porque estava calor"; O qualificador "é que" geralmente coloca uma questão de justificativa, mas não necessariamente; Só que a mesma frase também pode ser tanto uma justificativa ou uma explicação quanto as duas coisas.
SITUAÇÃO E -
E | Justificativa | Juízo | Ação |
Quando a justificativa e o juízo antecedem a ação propriamente dita, se trata de um caso de planejamento, ou seja uma pessoa está planejando algo e pergunta a opinião de outra (ou a recebe sem perguntar).
Justificativa: | Preciso comprar um carro novo |
Juízo | Mas o seu ainda está novo |
Ação: | Espera ou vende o carro e compra mesmo assim. |
Assim, a justificativa serve como um argumento inicial, pode ser em situações de risco ou aquelas em que você sente que precisa da aprovação de alguém. As justificativas podem ser usadas para antecipar objeções e moldar ações futuras aqui. Às vezes, é um movimento consciente, quase estratégico — como quem diz: "Se eu já sei que vão questionar, vou adiantar o porquê".
SITUAÇÃO F -
F | Juízo | Ação | Justificativa |
Aqui, o juízo — crítico, sugestivo ou até mesmo casual — pode funcionar como um convite à ação. A justificativa, então, não surge apenas como um remendo desesperado, mas como uma espécie de tradução: ela explica (para os outros ou para si mesmo) os motivos por trás do que foi feito. E assim, a ação não é suficiente para "amortecer" o juízo, em muito dos casos, a justificativa se vê necessária para a pessoa, ou é só o hábito de narrar a própria vida, como se cada ação precisasse de uma legenda.
Juízo: | Seu quarto está uma bagunça |
Ação: | Pessoa fecha a porta do quarto ou limpa o quarto |
Justificativa | Eu estava ocupada antes, mas agora já consegui. |
Isso mostra como juízos externos/internos podem gerar ações reativas, com justificativas surgindo como "conserto" pós-fato.
CONCLUSÃO
No fim das contas é possível perceber um emaranhamento de Juízos, Ações e Justificativas que vão se dispondo em camadas e camadas, interpolando-se em uma sequência infinita de elementos, por isso que na vida real é mais difícil colocar em categorias. Será que há múltiplas justificativas para uma mesma ação? Claro! E múltiplos juízos também, e múltiplas Ações para uma mesma justificativa, tudo isso concomitantemente.
Obviamente nem tudo que fazemos são juízos, justificativas e ações propriamente ditas, até porque, defender-se o tempo todo é uma experiência desagradável e desgastante. Então para que refletir sobre todas essas coisas?
Refletir sobre justificativas pode ser um pouco maçante, mas isso é importante porque nos faz pensar no porquê nos justificamos toda hora, o que estamos tentando defender e quais os juízos que percorrem nossos pensamentos com mais frequência. Também nos faz pensar nas pessoas (os juízes) e suas próprias ações e justificativas para elas. Pode nos fazer pensar nas contradições entre justificativas e também nos ajuda a transformar nossas justificativas em meras explicações, sem que seja necessário uma defesa de quem nós somos, de nossas atitudes, ou de quem gostaríamos de ser, porque coloca uma nuance descritiva e exploratória perante a vida, ao invés de uma postura defensiva que tenta manter ideais ou dá poder à pessoas que pouco entendem sobre nossa vida. Além de que, ao diminuir a defesa, também podemos manter a mente aberta para novas coisas.
E talvez, no fim, perceber que nem toda ação precisa de uma justificativa — ou que, pelo menos, nem toda justificativa precisa ser levada a sério. Algumas são só histórias que contamos para dar sentido ao acaso, outras são rastros deixados no meio do caminho, como pistas de quem fomos em determinado momento. E está tudo bem. O que importa é que, ao observar esse jogo de ações, juízos e justificativas, a gente ganha um pouco mais de liberdade: a de escolher quando explicar, quando calar, e quando simplesmente deixar que as coisas sejam o que são.
No fundo, esse conjunto de justificativas revela algo mais profundo: o quanto estamos sempre negociando com o mundo, nos negociando, negociando nossa existência. Cada "porque" dito (ou calado) carrega um pedaço do que acreditamos ser importante, do que tememos perder ou do que desejamos provar. E porque precisamos provar tanto? Temer tanto? Precisamos?
Mas há uma beleza nisso: quando paramos para observar o mecanismo, ganhamos a chance de escolher com mais consciência. Podemos, então, justificar menos e viver mais, deixando que algumas ações simplesmente respirem sem explicação, como folhas ao vento que não precisam anunciar para onde vão e outras sejam explicadas detalhadamente como mapas desdobrados para quem realmente merece entender nossa jornada. O segredo está em discernir quando uma razão é um presente (para quem nos vê com bons olhos) e quando é apenas um peso desnecessário (para quem já decidiu não escutar).
Até porque, explicar é uma generosidade e não deveria ser uma obrigação.
Então não precisamos nos justificar sempre. E a vida, quando vivida sem tantas defesas, ganha espaço para ser mais leve, mais surpreendente — e, quem sabe, até mais verdadeira.
No fim, saber das engrenagens que guiam nossas ações, muitas vezes inconscientemente, nos permite alterá-las para ações que se alinham melhor com o tipo de vida que você gostaria de viver. Mas ao mesmo tempo, é sobre questionar TUDO. E sobre questionar TUDO, falaremos em outro post. Por enquanto, basta ser.

Até maiss :)!







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