Poema - Indesejado
- Mar
- 31 de jan.
- 2 min de leitura

INDESEJADO
Quero ser uma pomba
um urubu
um corvo
uma abelha ou melhor ainda, uma vespa
quero beber a água suja que cai da calha
e corre pela enxurrada
quero comer o plástico da embalagem de alface
quero me engasgar com o caroço de ameixa deixado pra trás
só pra mim
quero roer o osso que o açougueiro vende
agora que tem gente pra comprar
quero experimentar a carniça
o resto em putrefação
direto do saco de lixo caído para fora da lixeira
quero nojo
quero me embebedar no chorume
por falta de frutas e flores
quero ser o indesejado
abominado
o Não Visto
e tornar-me culpada
da minha própria natureza de sobrevivência
e onde é que sobrou natureza aqui?
o que sequer é natureza agora?
uma pena?
quero que não me olhem
que disfarcem o olhar
que me olhem de canto de olho

só pra ver se podem passar
com segurança
por mim
quero ser pomba
urubu
corvo
vespa
e sobreviver
em ruas que não construí
em rios que não chegam ao mar
em lagos que refletem apenas as lâmpadas da avenida
e os passos
dos que correm
para alcançar o ônibus das seis
lotado
de pessoas iguais e diferentes,
indiferentes
com uma história parecida: o desejo
quero ser pomba, urubu, corvo e vespa
e sobreviver
indesejadamente
em um ambiente
que me coloca
unicamente responsável pelo meu sucesso
em meio ao caos
orquestrado por quem quer me controlar
e ao lixo, pomba, urubu, corvo e vespa
inconveniente, pomba, urubu, corvo e vespa
quero ser
uma pomba
um urubu
um corvo
ou uma vespa
e ter asas
pra voar
livre

Caso você tenha interesse de ver esse poema em inglês: https://www.maresia.cat/en/post/poem-unwanted-1
Provavelmente vai ser a última vez que me dou o trabalho de traduzir um poema para o inglês, é simplesmente impraticável traduzir e manter as mesmas nuances. Quem sabe em um poema menos metafórico, claro.
Comments